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Aborrecência. Dá para ser diferente?

Para construir e manter uma casa, é preciso tempo e muito investimento. O mesmo acontece com uma carreira. Ninguém se torna engenheiro ou psicólogo se não passar uns bons anos investindo em estudos e preparação. Para ter um carro você precisa trabalhar, economizar, pesquisar e comprar. E, para mantê-lo em ordem e funcionando, é preciso mais trabalho, investimento e cuidado. Preste atenção, a maioria das coisas que você tem hoje precisou de tempo e investimento para ser construído e conquistado. E por que será que achamos que vamos ter uma relação aberta e sadia com os nossos adolescentes se não construímos e investimos nesse projeto desde a infância?
Olhando ao redor, tenho a impressão que temos cuidado com mais zelo dos nossos celulares, carros, carreiras e casas do que do relacionamento com os nossos filhos. Terceirizamos a educação depositando em professores, babás, parentes e eletrônicos a responsabilidade do cuidado, mediação e formação dos nossos pequenos, não construímos uma relação sólida e, lá na frente, cobramos um retorno. Aí não rola... Você só tem de forma integral aquilo que cuida e constrói.
Tenho uma filha pré-adolescente que hoje está com 12 anos de idade e, desde o seu nascimento, escuto que deveria me preparar para a fase da adolescência, onde ela se tornaria rebelde, calada, isolada, respondona... Mas confesso à vocês que nunca levei isso muito a sério. Na verdade, nunca aceitei esse fatalismo. Passei a observar diversos adolescentes que, mesmo diante de um turbilhão de hormônios e transformações, estavam se desenvolvendo de forma sadia, mostrando ter uma ótima relação com os seus pais.
A história da humanidade também nos conta que houve um longo período onde crianças passavam direto da fase da infância para vida adulta, ou seja, nada de adolescência. Nessa época, a puberdade não produzia rebeldia, isolamento ou comportamento destrutivo. E sabe por que? Porque não existia tempo ou espaço para isso, pois muito cedo os pequenos adultos já estavam ocupados cumprindo as suas responsabilidade.
Pois bem, os fatos mencionados acima me levaram a construir uma linha de raciocínio que gostaria de compartilhar com vocês. Se os aspectos biológicos relacionados a adolescência (ou seja, aquele turbilhão de hormônios e transformações) fossem fortes o suficientes para comandar o comportamento de um indivíduo, logo, todo adolescente do passado e do presente apresentaria um comportamento rebelde, calado, isolado ou respondão, o que não é verdade.
Diante disso, é possível dizer que o fator ambiental, ou seja, o meio que a criança cresce e se desenvolve tem um poder sobre o biológico. Em outras palavras, se a criança crescer e se desenvolver num ambiente minimamente estável, afetuoso, rico em relacionamentos saudáveis e que oferece limites, pode até passar por um turbilhão de hormônios e transformações no período denominado adolescência, mas isso não terá força suficiente para minar ou destruir a relação com os seus pais, bloquear seu canal de comunicação ou levá-lo a um comportamento destrutivo.
Dizer que a adolescência é a fase da rebeldia, isolamento ou silêncio é um discurso maléfico e determinista que há décadas vem sendo reforçado e reproduzido em nossa sociedade. Estamos predizendo o futuro dos nossos filhos quando repetimos essa afirmação. E que futuro triste! Nossas crianças crescem escutando isso. Nós crescemos escutando isso! Mas o fato é que um corpo sozinho não dá conta de transformar adolescência em aborrescência. Para que isso aconteça ele também precisa de um ambiente de relacionamentos precários, falta de afeto, tempo excessivo gasto em aparelhos eletrônicos, ausência de limites, tempo ocioso e pobreza de diálogo. Aí sim podemos prever rebeldia, isolamento, respostas atravessadas ou comportamentos destrutivos.
Mas, com esse texto, gostaria de deixar um apelo a nossa geração de pais e mães. Que tal mudarmos o rumo dessa prosa? Que tal abandonarmos o velho discurso fatalista passando a adotar um novo modo de enxergar a adolescência? Talvez esse seja o primeiro passo para a mudança do nosso comportamento como responsáveis. Eis a minha proposta:
“Se desde a mais tenra infância laços fortes entre pais e filhos forem construídos, mantendo o canal de comunicação sempre aberto e um ambiente minimamente estável, emocionalmente seguro e afetuoso, você certamente terá em sua casa uma adolescência sadia e um relacionamento aberto e tranquilo com os seus filhos.”
Não, isso não é impossível. Na verdade, gostaria de dizer que é totalmente possível! Mas como foi dito no início dessa conversa, estamos falando de uma construção que leva tempo, investimento de vida, cuidados e atenção. Um dia de cada vez, um tijolinho por vez. Se está cansado ou sem tempo para isso hoje, não vai poder reclamar quando, lá na frente, o seu jovem entrar no quarto batendo a porta, com o prato de comida nas mãos, para falar com os amigos virtuais sobre as suas questões pessoais, afinal, como cobrar de alguém aquilo que não teve a oportunidade de aprender através da vivência? O tempo de ensinar é hoje! Uma sociedade se faz de micro-sociedades e uma delas está aí, bem na sua casa. O que tem feito a respeito?
Dizer que a adolescência é tempo de rebeldia, mau humor ou isolamento é um discurso que adere fácil pois tira a responsabilidade das nossas mãos e joga no corpo em transformação. Mas não podemos mais nos isentar dessa responsabilidade. Nossa sociedade grita por socorro! Nossos filhos gritam por socorro!
A Raquel, minha filha mais velha, está com o pé na adolescência, passando por uma série de transformações em seu corpo, mas tenho a alegria em poder dizer que os laços que construímos estão cada vez mais fortes. Ela conhece e administra bem as suas responsabilidades, demonstra respeito em suas relações, tem confiança em se abrir e alegria em estar com a família. Optei por não dar espaço a afirmações do tipo: “Ah, você vai ver daqui há um ou dois anos como isso vai mudar...”. O meu foco agora é outro, minha energia está sendo investida no lado cheio do copo e temos colhido ótimos frutos!
Gostaria de finalizar essa reflexão oferecendo algumas sugestões de tijolos muito importantes que temos utilizado nesse processo de construção aqui em casa. Espero que seja útil pra vocês!
Crie o hábito das refeições feitas à mesa, sem a companhia dos eletrônicos;
Invista tempo em jogos de tabuleiro em família;
Desenvolva o hábito de contar aos filhos sobre o seu dia, suas lembranças, desafios e conquistas;
Cozinhem juntos;
Pare para ouvir o que o seu filho tem a dizer e olhe em seus olhos enquanto ele estiver falando (se estiver ocupado no momento, diga que vai terminar sua atividade para, em seguida, dar atenção total ao que ele tem a dizer);
Dividam as responsabilidades da casa, de acordo com a idade da criança, ensinando dessa forma que todos são parte de uma mesma equipe e precisam trabalhar juntos por ela;
Façam regularmente passeios em família e guardem o celular na bolsa. Aprendam a curtir a companhia um do outro sem interferências;
Não tenha medo de compartilhar seus erros, fraquezas e pedir perdão. Quando faz isso, está ensinando o seu filho a fazer o mesmo;
Construa a noção de limites através de regras e disciplinas. Uma criança sem limites será um adolescente sem limites;
Ofereça afeto diário, através de beijos, abraços, palavras positivas e de incentivo;
E, por fim, pare de dar ênfase na parte vazia do copo e foque na parte cheia.
Seu filho certamente está repleto de potenciais positivos e a sua missão é fazer tudo isso se multiplicar e transbordar!
Daniela Marques
Daniela Marques é escritora, esposa e mãe de dois. Formada em Design de Interiores e graduanda em Psicologia. Edita e desenvolve conteúdo para os blogs 'Salve Meu Casamento' e 'Educando na Contramão'. Autora dos livros O coração vermelho, Tem princesa que..., Iguais e diferentes e Quando nasce um coração. Ama o que faz e faz porque ama!
Conheça seus livros em: www.danimarques.ecwid.com
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