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Luto oculto, esperança renovada
Atualizado: 9 de mai. de 2019

Compartilhar emoções faz bem para a alma. Por mais introspectivas e fechadas que sejamos, encontrar um ombro amigo que apenas nos ouça (mesmo que não nos entenda…) não tem preço. Às vezes, precisamos desesperadamente desabafar e dividir o fardo com alguém. Mas… o que fazer quando a dor e o sofrimento são “incompartilháveis”?
Aprendi com uma psicóloga a dar um nome para o que já experimentei por duas vezes na minha caminhada de mãe: o luto oculto. Por duas vezes, meus bebês não chegaram aos meus braços. Em uma delas, ele (ou ela) era tão pequeno quanto uma ervilha. O que não significa que a dor da perda seja proporcional.
De outra vez, tinha quase seis meses de gestação e nome: Priscila. Minha primogênita. Seu nome não significa nada especial. Foi escolhido apenas por gosto e pela inspiração em nomes bíblicos (sempre admirei a Priscila do livro de Atos). No entanto, o que ela representou e ainda representa para mim é algo pra lá de especial.
Estava casada havia dois anos. Pretendia permanecer sem filhos pelo menos uns cinco anos. Mas a inspiração na minha sobrinha Débora começou a me fazer suspirar. Literalmente. Logo constatei que não suportaria esperar mais três anos para engravidar.
Percebi que estava grávida pelo cansaço, sono e dores nos seios. Nunca enjoei. Trabalhava bastante e tudo parecia transcorrer normalmente. Até que um dia acordei com o rosto tão inchado que parecia uma asiática, de olhos bem puxados. Meus pés também inchavam, mas todos diziam que era assim mesmo… Eu mesma não tinha muito tempo para me informar e ler a respeito de riscos, e era minha primeira gravidez. E meu médico também não parecia muito bem informado, como pude confirmar em poucas semanas.
Numa consulta de rotina, constatamos que eu havia engordado 5 kg em um mês, o que não era bom. Minha pressão estava um pouco alta e os batimentos cardíacos da bebê não estava muito constantes e fortes. Mas era uma sexta-feira à noite… então o médico me tranquilizou e me mandou fazer um ultrassom na segunda-feira seguinte, após dois dias de repouso. Também me receitou um remédio para controlar a pressão. E foi só. Fui para casa bastante preocupada, o que obviamente complica o quadro de pressão alta.
Os dois dias que se seguiram foram uma jornada pelo vale árido… Apreensão, angústia, insegurança. Um aparelho de pressão ao meu lado o tempo todo, garantindo-me que as coisas não estavam bem. Priscila mexia pouco e eu já não tinha coragem de cutucar a barriga para ver se ela respondia. No domingo, precisei adicionar mais um remédio de pressão à minha mesinha de cabeceira. Mas nem esse foi capaz de resolver o problema.
A angústia só fazia aumentar. A pressão subia, os movimentos diminuíam, a esperança desmoronava aos poucos. Do fundo da minha alma, clamava a Deus por uma luz no fim do túnel. Meu Pai do céu teve o que ouvir naquele dia… Fui malcriada com ele. Aquilo não fazia sentido na minha cabeça e estava adoecendo meu coração. Chorei, gritei, questionei. Repeti a experiência de Jó, vivida ao longo de 38 capítulos, em um só dia.
A resposta de Deus veio à noite. Logo após o momento em que consegui acalmar minha alma e entregar meu futuro nas mãos dele. Penso que foi a oração mais difícil que já fiz em minha vida: “Pai, seja feita a tua vontade, seja ela qual for”. Meu cunhado chegou em casa e me mostrou uma música que ele havia acabado de fazer. Ainda adolescente, já tentava compor músicas que falavam do que se passava no seu coração. A letra dizia exatamente o que eu tinha acabado de orar. “Senhor Deus, toma minha vida… me entrego em tuas mãos, descanso em teus braços… Senhor, faze de mim o que tu queres… ajuda-me a aceitar o teu querer de todo coração…”. A melodia era doce como um carinho. Embalada por aquelas notas, dormi um sono tranquilo, mesmo tendo certeza de que Priscila não se mexeria mais no meu ventre.
No dia seguinte, veio a confirmação. No momento do ultrassom, percebi pelas imagens que não havia mais sinal de vida. Fechei os olhos com as mãos. Eu já sabia. E já tinha sido preparada para aquele momento. Ao invés de choro e decepção, o que se via nos meus olhos era paz. Sobrenatural. Inexplicável. Surpreendente. E que até hoje me encanta.
Eu pensava que tinha passado por um vale árido no fim de semana anterior. Mas o que se seguiu se revelou como um vale de sombra e morte. Não sabia o que me esperava. Internação hospitalar, uma busca frenética por remédios para induzir o parto, exames constantes, e uma espera de 26 horas em trabalho de parto. Uma dor física sem tamanho. Mas por dentro, a certeza de que tudo acabaria bem. Sem forças para ler a Bíblia, os versículos que precisava ouvir surgiam de dentro do meu coração. A paz que eu sentia (e transparecia) fazia com que minhas visitas substituíssem a cara de enterro por um semblante mais leve, embora confuso. Músicas de conforto vinham à minha mente e me tranquilizava o coração.
Obviamente, após o parto e durante a recuperação, a dor se manifestou. O choro ainda me acompanhou por muitas noites. O luto oculto. O sofrimento incompartilhável. Havia passado pelo fundo do poço, e pude conhecer o fundo da minha alma. E ali encontrei alguém que foi capaz de cuidar de mim como ninguém poderia, de sentir a minha dor como ninguém sentiria, e de me sustentar como ninguém conseguiria.
Tive pré-eclâmpsia. Corri riscos muito maiores do que imaginava. Mas algo que não vi representou um enorme alívio para uma consciência que não cessaria de se perguntar: onde foi que errei? O que poderia ter feito para evitar? Esses questionamentos foram silenciados por um nó verdadeiro no cordão umbilical, raríssimo, especialmente acompanhado de pressão alta. Priscila deu cambalhotas dentro de mim que acabaram por interromper o fluxo de sangue no cordão. Não era para ser. Não tinha jeito.
Ainda demorei a me recuperar. A pressão alta permaneceu exigindo cuidados e tratamento por mais cinco meses. Mas a esperança foi se renovando aos poucos. Assim que a pressão voltou ao normal, começamos uma nova segunda tentativa e logo tivemos sucesso.
Ainda assim, corri muitos riscos. Fiquei de cama por três meses. A pressão era um fantasma a nos rondar continuamente. Riscos genéticos foram identificados. Arritmia cardíaca na bebê foi diagnosticada. Suspeita de perda de líquido. Novamente a angústia pairava no ar. Felizmente, depois de 8 meses e 11 ultrassonografias, Gabriela nasceu, ligeiramente prematura, mas plenamente saudável. Um anjo que nem de fome chorava.
Hoje, posso contar que as perdas foram duas, e os ganhos foram três. Três meninas. As mais lindas do mundo, claro. (Sei que as suas, ou seus meninos, também são os mais lindos do mundo).
O que ficou da experiência? A certeza de que não dou conta de passar por dias difíceis sozinha. Preciso da graça e da força do meu Pai do céu. A certeza de que Ele não vai me abandonar. A segurança de que o choro pode durar uma noite, mas a alegria há de retornar.
Ficou também uma cicatriz de maturidade, de crescimento, de conhecimento pessoal e mútuo, em relação ao meu marido. A lembrança ainda me faz derramar algumas lágrimas. Mas sei que saí desse vale mais forte, mais segura, mais confiante.
Sei que não aprendi tudo, que ainda sou fraca, que dias difíceis ainda me derrubam, como pude constatar na minha segunda perda, que me levou a buscar uma psicóloga.
Aprendi que a maternidade é um pacote cheio de surpresas, nem todas fáceis e agradáveis. Todas as experiências vividas na maternidade são intensas, profundas, até extremas. Mas não conheço ninguém que se arrependa. Talvez essas sejam razões para algumas pensarem que não vale a pena, ou mesmo que não têm coragem e força suficiente. O que posso dizer é que, com a maternidade, a força e a coragem vão nascendo e crescendo, e a gente vai aos poucos se tornando verdadeiras leoas.
Compartilho aqui algo que escrevi na época do meu vale árido. Sem qualquer pretensão literária, coloquei no papel aquilo que se passava no meu coração. E espero que sirva de inspiração e encorajamento para aquelas que se aventuram a viver intensamente a maternidade, tanto nos bons quanto no maus momentos.
O QUE PASSOU, O QUE FICOU...
Passou o medo, a apreensão,
A ansiedade diante da gravidade da situação,
O medo do desconhecido,
O desconhecimento dos limites da dor.
Ficou a serenidade, a tranqüilidade,
A certeza de que Deus está no controle
E que tudo sairia de acordo com a Sua vontade.
Passou a confusão, a desorientação, a elucubração,
A preocupação por achar uma solução.
Ficou a direção, a elucidação,
A compreensão dos caminhos e dos propósitos de Deus.
Passou a dor física, o pânico,
O desespero, a exaustão,
A vontade de sumir, fugir, dormir...
Ficou o vazio, o lamento pelo que não veio,
O choro por não ter ouvido o choro,
O riso, a música, a vida,
Por não sentir o toque, o calor, o vigor, o amor.
Passou também uma etapa, uma fase, uma época,
Importante, rica, especial.
Mas chegou um novo tempo,
Mais maduro, mais forte, mais seguro,
Um novo casamento,
Um novo sorriso, um novo testemunho,
Um amor renovado, revigorado,
Uma confiança mais firme,
Uma entrega mais completa,
Um conhecimento mais profundo do Pai,
Criador Soberano,
Mas, acima de tudo, sábio e amoroso.
“...Assim torna ele inativas as mãos de todos os homens, para que reconheçam as obras dele.” Jó 37.7
Juliana Cesar
Juliana Cesar mora no Canadá há dois anos, adora viajar e guardar lembranças de suas viagens. Apaixonada pela natureza, sempre se encanta com as montanhas e o mar. Atualmente faz parte de uma igreja canadense em Calgary com muitos brasileiros: (http://www.freechurchcalgary.com), @freechurchcalgary.